04.02.2025 às 09:24
Lethycia Anjos Midiamax
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender o financiamento para programas de combate ao HIV em outros países resultou na interrupção de um dos principais programas de enfrentamento ao HIV e Aids em Campo Grande.
O programa “A Hora é Agora”, que oferecia testagem e atendimento a pacientes, recebia financiamento do Pepfar (Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da AIDS) por meio de uma parceria entre a Fiocruz e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
A iniciativa integrava as metas globais de enfrentamento à epidemia de HIV/aids, estabelecidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e AIDS.
Criado em 2014, pela parceria entre o Ministério da Saúde, organizações locais e prefeituras, o projeto visava ampliar o acesso à testagem rápida para o HIV — incluindo o autoteste — além de incentivar a adesão à PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), além de oferecer outros serviços de prevenção.
Em Campo Grande os usuários acessavam o site “A Hora é Agora”, retiravam o kit de testagem no Pátio Central Shopping e realizavam o autoteste em casa ou em outro local onde se sentissem confortáveis. O resultado era enviado diretamente para o endereço do paciente.
Suspensão em Campo Grande
Em nota, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande) confirmou a suspensão de todas as atividades do programa. A suspensão afetou Campo Grande, Curitiba–PR, Florianópolis–SC, Fortaleza–CE e Porto Alegre–RS.
Segundo a Sesau, os responsáveis pelo projeto receberam um comunicado determinando a interrupção imediata de todas as ações, sem aviso prévio.
“Todos os envolvidos lamentam profundamente esta interrupção. Reconhecemos os resultados positivos e os benefícios que o projeto trouxe para a assistência à saúde nas regiões atendidas. A Sesau entende a importância do programa e o impacto dessa decisão sobre a população, mas espera superar essa situação e, em breve, retomar a parceria.”
Além do impacto aos pacientes, a suspensão do “A Hora é Agora” também afetou os profissionais da saúde. Ao menos quatro médicos, um enfermeiro e três psicólogos atuavam no projeto em Campo Grande.
Apesar da suspensão, a Sesau afirmou que trabalha para reorganizar os processos de atendimento, a fim de minimizar os impactos e garantir que a população continue recebendo assistência.
‘Retrocesso na resposta global à epidemia’
Para Gabriel Nolasco, doutor em psicologia, que atua diretamente na área de saúde e políticas públicas, em um cenário onde o estigma e a discriminação já representam barreiras significativas ao acesso à saúde, a interrupção desses recursos pode aprofundar desigualdades existentes e elevar as taxas de infecção e mortalidade por HIV/AIDS. Por isso, ele considera a decisão um grave retrocesso na resposta global à epidemia.
“Essa decisão não apenas ameaça a continuidade de iniciativas essenciais, como o projeto ‘A Hora é Agora’, mas também compromete o alcance das metas globais estabelecidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, conhecidas como 95-95-95”, afirma.
Nolasco destaca que o impacto desse corte vai além da redução do financiamento. Segundo ele, a medida enfraquece a capacidade dos sistemas de saúde de garantir testagem, tratamento e prevenção do HIV, especialmente para populações historicamente marginalizadas, como homens que fazem sexo com homens, mulheres trans, profissionais do sexo e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“A decisão do governo Trump de cortar o financiamento do Pepfar, somada à saída dos EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde) e à ascensão de discursos anti-ciência, revela uma estratégia mais ampla de desmonte da cooperação internacional em saúde”, analisa.
Suspensão ameaça garantia de direitos
O especialista avalia que impacto dessa decisão será sentido de maneira desproporcional por países de baixa e média renda, incluindo o Brasil. Países onde fundos internacionais ainda são fundamentais para ampliar a testagem e o acesso à PrEP.
“O subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde), aliado ao avanço de pautas moralistas que ignoram evidências científicas, compromete a efetividade das políticas de enfrentamento ao HIV/AIDS. O descaso com a garantia dos direitos humanos e da saúde pública pode levar ao agravamento da epidemia. Assim, tornando ainda mais distante a meta global de erradicação do HIV/AIDS até 2030”.
Segundo Nolasco, embora o financiamento atinja diretamente a contratação de profissionais específicos para as ações do projeto, os serviços pactuados no SUS permanecem.
“O combate ao HIV/AIDS não pode ser refém de disputas políticas ou agendas ideológicas. A saúde pública deve ser tratada como uma prioridade inegociável. A resposta à epidemia exige compromisso, financiamento adequado e estratégias baseadas em evidências científicas. Qualquer retrocesso nessa luta coloca vidas em risco e compromete décadas de avanços conquistados”, conclui.
Como buscar ajuda?
Com os avanços significativos no tratamento e prevenção do HIV, hoje, pessoas soropositivas podem viver normalmente com o tratamento adequado. Além disso, é importante esclarecer que HIV e Aids não são sinônimos; ou seja, ao contrário do que muitos pensam, ter o vírus não significa necessariamente que a pessoa desenvolverá a doença.
O HIV (Human Immunodeficiency Vírus), sigla em inglês, é o vírus que provoca a imunodeficiência humana.
Conforme a infecção pelo HIV avança, o sistema imunológico enfraquece até não conseguir mais combater outros agentes infecciosos. Quando isso ocorre, a pessoa desenvolve a Aids. Em resumo, a diferença entre o vírus e a doença é que o HIV pode levar ao desenvolvimento da Aids (Acquired Immune Deficiency Syndrome).
Apesar da suspensão do programa, interessados ainda podem realizar a testagem no CTA, localizado na Rua Anhanduí, nº 353, bairro Vila Carvalho (próximo ao Horto Florestal). O atendimento é de segunda a sexta, das 7h às 17h (sem pausa para o almoço). A testagem rápida vai até às 16h. É necessário levar um documento com foto.